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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Canibalismo: da cultura à perversão

O ato de comer carne humana, praticado por culturas ancestrais e durante alguns períodos de extrema escassez, representa a concretização de fantasias sexuais sádicas que indicam problemas na constituição da identidade.


O técnico de informática alemão Armin Weives era um homem comum, parecia pacífico e solitário. Sua vida mudou da água para o vinho depois de um bizarro jantar, que lhe rendeu prisão perpétua cinco anos depois. O prato principal foi o pênis do engenheiro Bernd Juergen Brandes, que, aliás, também degustou a macabra iguaria, antes de ser assassinado, esquartejado, comido paulatinamente nos dias seguintes. A história começara meses antes, quando Weives colocou um anúncio na internet procurando alguém que quisesse ser morto e devorado. Brandes mostrou-se disposto e concordou em ter o membro sexual amputado, flambado e servido antes do suspiro final. Todo o ritual foi filmado. O crime cometido em 2001 só veio à tona no ano seguinte. Durante o inquérito, Weives, que ficou conhecido como o canibal de Rotemburgo, confessou tê-lo cometido com motivações sexuais. Em agosto deste ano outro caso de canibalismo chocou os europeus. Após terem sido avisados por vizinhos, policiais de Viena prenderam Robert A. por ter assassinado e comido partes do corpo (entre elas o cérebro) de Joseph S. Ambos sem-teto, eles viviam juntos num apartamento cedido pelo serviço social do governo austríaco.

Casos de canibalismo aparecem no noticiário de tempos em tempos, indicando que o fenômeno é mais freqüente do que ousamos pensar. Quem tiver estômago para pesquisar na internet vai encontrar instruções detalhadas de desmembramento do corpo humano, sempre associadas a conteúdos de temática sexual, que mais parecem guias para o abate de animais. Afinal, como explicar esse fenômeno que à maioria de nós é tão repugnante?

FORÇA E CORAGEM

As práticas canibais, ou antropofágicas, são tão antigas quanto a humanidade. Um tipo bem documentado é o canibalismo famélico, que aparece em períodos de extrema escassez de alimentos, como aconteceu na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) ou no cerco a Leningrado (hoje São Petersburgo) durante a Segunda Guerra Mundial. A queda de um avião na cordilheira dos Andes, em 1972, mostrada nas telas do cinema, expôs o drama dos sobreviventes que, para não morrer de fome, se alimentaram da carne das vítimas do acidente.

O canibalismo como ritual é um fenômeno bem diferente. Em culturas antigas, como a dos habitantes originais da Indonésia, Austrália e Nova Zelândia, o consumo de carne humana tinha como objetivo incorporar atributos dos mortos, como força, coragem, integridade, e só deixou de ser praticado no século XX. Na Amazônia, os índios ianomâmis até hoje adicionam cinzas funerárias a uma pasta de banana, usada em vários pratos, para entrar em contato com a alma dos que já partiram. Em muitas outras culturas, as práticas antropofágicas consistiam no consumo de alguma parte do corpo, como o coração ou o cérebro, o que causou uma epidemia de kuru, doença neurológica degenerativa causada por uma proteína patogênica (príon), na Papua Nova Guiné, nos anos 60. Os rituais canibalísticos, porém, nem sempre tiveram cunho religioso. Para se vingar do adversário vencido, possivelmente assimilando sua força, muitas batalhas e guerras do passado terminavam em cerimônias nas quais os prisioneiros eram servidos como prato principal, como acontecia entre os índios da América pré-colombiana e os chineses que viveram sob a dinastia Chou (1122 a.C.-255 a.C).