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sexta-feira, 3 de maio de 2013

O canibalismo funerário

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Os Wari' comiam não só os inimigos que matavam, mas também os mortos do grupo. O rito tinha início já na doença grave, quando o moribundo era chorado por parentes consangüíneos e afins. Desde aí, iniciava-se um canto fúnebre, em que todos se referiam ao doente/morto por termos de consangüinidade, e relembravam fatos vividos com ele. Diante da morte, o choro se intensificava. Os parentes próximos, chamados de "parentes verdadeiros" passavam então a diferenciar-se dos "parentes distantes", categoria que aí inclui especialmente aqueles efetivamente relacionados pelo casamento. Os primeiros organizavam o funeral, e os últimos o executavam.

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Antes que o cadáver pudesse ser preparado, devia-se aguardar a chegada dos parentes próximos que viviam em outras aldeias, e que recebiam o aviso da morte por meio desses mesmos afins. Nesse período, de cerca de dois a três dias, o cadáver apodrecia, e é nesse estado que era cortado e moqueado pelos afins. Pronta a carne, os parentes próximos a desfiavam e depositavam-na sobre uma esteira, ao lado de pequenos pedaços de pamonha de milho assada. Solicitavam então aos parentes distantes que a comessem. Não se devia pegar a carne com as mãos, mas espetá-la em pauzinhos, levando-a delicadamente à boca. Os Wari' não gostavam que se comesse do morto com avidez, como se fosse carne de caça, e o apodrecimento, que aparentemente era conseqüência de um prolongamento inevitável do velório, já que os parentes que moravam longe faziam questão de ver o cadáver íntegro, era também um modo de tornar a ingestão da carne desagradável, às vezes quase impossível. Nesses casos, comia-se só um pouco, e o resto era queimado, juntamente com os cabelos, órgãos internos (com exceção do fígado e do coração, que eram comidos), e genitália.

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Finda a carne, os parentes próximos decidiam se os ossos seriam queimados e enterrados com o moquém, ou se seriam macerados e ingeridos com mel. De um modo geral são os parentes distantes que ingerem os ossos, mas algumas pessoas afirmam que essa parte do repasto cabia aos netos, que também eram os comedores preferenciais dos miolos assados do morto.

Após o funeral, iniciava-se o período do "varrer", quando eram queimados todos os pertences do morto, desde a casa que construíra, o local onde havia sido assado, até sua roça de milho e os lugares na floresta onde costumava andar e se sentar. Um luto prolongado, de vários meses ou mesmo anos, terminava diferencialmente para os diversos parentes, que decidiam quando deveriam voltar a falar normalmente e a participar de festas. Realizavam então o rito de final de luto, quando uma grande quantidade de presas previamente moqueadas, resultantes de uma caçada coletiva, eram choradas como se fossem o morto. Essas presas eram depois comidas não só por não-parentes, mas também pelos consangüíneos próximos. Depois disso cantava-se e dançava-se e a vida voltava ao normal. O espírito do morto passava a viver plenamente no mundo subaquático dos mortos, como acontece ainda hoje. Quando quer vir à terra ver os seus, ou passear, torna-se queixada, sendo caçado e comido pelos Wari', e retornando ao mundo dos mortos.
Atualmente, os mortos não são mais comidos, mas enterrados, depois de chorados por dois ou três dias. O abandono do canibalismo ocorreu pouco tempo depois da "pacificação".


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